Friday, April 16, 2010

Ouvir, Entender e Falar

Pensamos que ouvimos, pensamos que entendemos, pensamos que falamos, mas será mesmo?
Quantas vezes estamos em uma reunião com várias pessoas, cada uma falando de um assunto, cada uma falando de um tema. Maria pergunta uma coisa, João responde de um jeito, Pedro responde de outro. José acha que entendeu – pela introdução - o que Carlos vai falar, nem espera ele terminar sua explicação e já diz que não concorda. Após 5 minutos que o assunto encerrou, alguém pergunta sobre o que foi discutido como se fosse a primeira vez que se tocasse no assunto.
Onde estavam suas mentes? O que cada um entendeu do que foi dito? Como vão conduzir o dia a dia se não entendem o que se passou ali entre todos?
A confusão não ocorre somente quando estamos em uma sala com várias pessoas. Também por exemplo, quando estamos frente a frente com alguém que está dando seus preciosos 5 minutos para nos atender, porém pensando na próxima reunião que deve comparecer, na pilha de e-mails para responder, nas novas atividades que o gestor acabou de definir. Quando efetivamente esta pessoa parou para pensar, para analisar, para ouvir? Como teremos decisões corretas com atenção deficitária?
O que está se passando na cabeça destas pessoas?
Nossa mente possui muitos vícios e truques, um deles é querer pular rapidamente para as conclusões para seguir para o passo seguinte. Outro hábito é deduzir com base naquilo que já lhe aconteceu o que vai acontecer a seguir, no fundo estamos todos achando que tudo é igual, que tudo é uma repetição do passado. Com certeza muita coisa é repetição e afinal a experiência nos ajuda a avançar, contudo ela é base para evoluir, não para estagnar.
Pensamos muito mais rápido do que o outro consegue falar e como usamos o tempo extra? Para entender aquilo que estamos ouvindo ou para elaborar as respostas àquilo que não concordamos, deixando de ouvir? Nosso pensar está ancorado nas nossas experiências, educação, família, religião, grupo social, sendo que cada pessoa possui suas próprias referências e se assumimos que são as mesmas dos outros é bem provável que tenhamos problemas de comunicação com o entendimento, com o significado.
O que vemos e ouvimos está mais relacionado com o que buscamos e prestamos atenção. Não vemos aquilo que não buscamos e não ouvimos aquilo que não prestamos atenção.
Vamos ver alguns pontos da teoria sobre percepção para nos ajudar a entender este processo. Conforme Paul Robbins “Percepção pode ser definida como um mecanismo pelo qual indivíduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais a fim de dar sentido ao seu ambiente. Entretanto o que alguém percebe pode ser substancialmente diferente da realidade objetiva e a interpretação é fortemente influenciada pelas características pessoais do individuo que o percebe“. As características pessoais que mais fortemente influenciam a percepção são: as motivações, os interesses, as experiências passadas e as expectativas.
Sabe-se que instintivamente usamos muitos atalhos no processo de ouvir, ou seja, técnicas individuais para facilitar o trabalho de perceber e interpretar os outros. Entre elas encontramos:
Percepção Seletiva: Qualquer característica que faça uma pessoa, objeto ou evento sobressair, porque é impossível assimilarmos tudo que vemos; captamos apenas certos estímulos. Como não podemos captar tudo que vemos, pegamos uns pedacinhos aqui, outros ali, porém estes pedacinhos são escolhidos de acordo com nossos interesses, formação, experiência e atitudes. Desta forma podemos tirar conclusões não-garantidas de uma situação ambígua.
Efeito de Halo: Impressão geral sobre um indivíduo com base em uma única característica, propagação de uma virtude ou defeito sobre o julgamento geral da pessoa.
Efeito de Contraste: Não avaliamos uma pessoa isoladamente, estamos sempre fazendo comparações. Ex. fazer uma apresentação, depois de outra muito boa ou muito ruim, irá alterar a forma como a sua será vista. Se uma pessoa fala com entusiasmo tenderemos a olhar a informação dela com mais atenção do que outra pessoa falando mais serenamente.
Projeção: Julgar os outros presumindo que eles são como nós. Tendência de atribuir as próprias características a outras pessoas. Neste caso tendemos a achar que as pessoas são mais homogêneas do que elas realmente são.
Estereótipo: Julgar pessoas com base no grupo ao qual esta pessoa pertence. Expandir pré-conceitos (bons ou ruins) do grupo social, ético, cultural, comportamental, minorias...

Rafael Echeverria diz “não sabemos as coisas como as coisas são, somente sabemos como observamos ou como interpretamos. Vivemos num mundo interpretativo. Distintas emoções predispõe as pessoas a observar certos eventos e não outros, distintas competências fazem algumas pessoas observarem fatos que outros não são capazes de observar. O mundo que uma pessoa vê a sua frente é somente o mundo que observa e cada individuo é um observador diferente que observa mundos distintos. Não existe um só mundo, mas tantos quantos são os observadores. A forma como atuamos no mundo depende do observador particular que somos”.
A técnica de parafrasear, ou seja, após ouvirmos atentamente até o final o que foi dito, repetirmos com nossas palavras para confirmar a compreensão, ajuda a própria pessoa a perceber a multiplicidade de significados que podem ter suas palavras e realizar as correções necessárias.
Uma escuta efetiva significa ouvir o que o outro diz e o que ele não diz, observar seus gestos, tom de voz, expressão corporal, pausas, olhar. Significa perceber a coerência entre o que a boca fala e o que o corpo fala. Importante dar um tempo após o outro ter terminado de falar para que ele próprio ouça suas palavras. Quando estamos ouvindo precisamos cuidar para não ficarmos preparando a resposta e deixar de ouvir. Ouvir também com o coração e com a intuição, perceber as emoções que estão surgindo em si mesmo e saber separar o que é seu e o que é do outro.
Se tratarmos o ouvir e compreender, precisamos também cuidar do falar. Marshall B. Rosenberg ensina no seu livro “Comunicação Não Violenta”, que nossas palavras são reações repetitivas e automáticas e deveriam tornar-se respostas conscientes baseadas no que estamos percebendo, sentindo e desejando. Sua técnica ajuda a sair de uma postura de crítica para uma situação de necessidades.
O método ensinado por Marshall consiste em 4 passos : primeiramente observamos o que de fato está acontecendo em uma situação e que está afetando nosso bem estar ou trabalho; em seguida identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação; o terceiro passo é reconhecer quais de nossas necessidades estão ligadas ao sentimentos que identificamos e o último componente do processo é efetuar um pedido específico e concreto. Desta forma estamos expressando e escutando as pessoas com mais consciência, nos conectando melhor uns aos outros, com mais respeito e empatia.
Sempre é bom ressaltar que cada pessoa tem uma experiência que conduz para aquilo que é o seu certo, a experiência de outra pessoa leva para o que é o certo dela. Pratique de falar de si, do que pensa, da sua experiência, não condicionando que ela é a única, lembrando que existem vários ângulos sobre um mesmo assunto. Acima de tudo, como diz Krishnamurti, lembrar sempre de falar o que é verdadeiro, amável e útil.

Fatima Patz
Companhia do Coaching
fatima.patz@uol.com.br

Bibliografia
ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice Hall Brasil, 2005
ROSEMBERG, Marsall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoas e profissionais. São Paulo: Àgora, 2006
Goulston, Mark. Just Listen. New York: Amacom, 2010
Echeverria, Rafael. Ontologia del Language. Chile: J.C.Saez Editor, 2005

1 comment:

Pensar Sentir Querer said...

Muito bom este texto. A dificuldade para ouvir é uma demanda recorrente nos processos de coaching, principalmente nas pessoas que ocupam posições gerenciais e querem aprimorar suas habilidades de liderança. O texto, a meu ver, serve como sensibilização e levanta questões significativas a serem trabalhadas junto ao performer. Fátima, parabéns e obrigada pela contribuição. Adorei!!!